quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

FELIZ 2010!!!


foto-LIDL


FELIZ 2010!!!

SEGUNDOS bem humorados
MINUTOS bem acompanhados
HORAS de intenso prazer
DIAS construtivos
MESES de optimismo
ANO FELIZ!

com

MESES de optimismo
DIAS construtivos
HORAS de intenso prazer
MINUTOS bem acompanhados
SEGUNDOS bem humorados...


FELIZ 2010!
COM MUITO AMOR A TRANSBORDAR!!!




VIRAR DE PÁGINA


foto-boletim ASSP


Já nada é como antes!...
Novos tempos
Novas vontades...
Será que o Menino é radical?
Os pais sim, sem dúvida!
Brrrrr....Brrrrr.....
 aí vão eles
a caminho de um
NOVO ANO!


terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A CAMINHA ESTREITA


foto-clemantunes

O FEIXE DA CARUMA



O feixe da caruma! Que humildade!
São folhas mortas que o pinheiro enjeita,
Ou que o vento cruel por terra deita,
Que se calcam sem dó nem piedade.


Mas, sendo o sentimento da bondade
Aquele que aos humildes mais se ajeita
São para os pobres a caminha estreita,
São a vida, o calor, a claridade.


O feixe de caruma! Se Maria,
Virgem de Nazaré, Nossa Senhora,
Tivesse tido a estranha fantasia


(Perdão para esta audácia pecadora)
De dar à luz na nossa freguesia,
De caruma cobria a manjedoura…



Acácio de Paiva
Poeta leiriense
(1863-1944)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

HISTÓRIA ANTIGA


foto-clemantunes

HISTÓRIA ANTIGA


Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.


Miguel Torga

domingo, 27 de dezembro de 2009

IMPERFEIÇÕES




foto-clemantunes



O silêncio da manhã é simultaneamente inquieto e reconfortante.
Quando acorda assim, parada olhando as sombras paradas, sabe que o dia vai ser fértil. Seja do que for, do que tiver que ser, do que se permitir viver, do que quiser construir, do que aceitar refazer…

Longínquo, o som de cães se cumprimentando mistura-se com o toc toc abafado dos saltos altos da vizinha do segundo andar.
Veste um agasalho, enfrenta o ar gélido da manhã e partilha a melancolia com as plantas do seu terraço. Fala-lhes de chuvas e de sol, de ventos e nuvens passageiras; afaga-lhes os troncos, retira-lhes os podres, corta-lhes os excessos e acarinha a terra renovada trauteando…

“Afagar a terra … conhecer os desejos da terra… Cio da terra, propícia estação… e fecundar o chão...”

Está tão vazia a sua varanda, tão nuas e tristes as suas floreiras… Precisa alegrá-las com pontos de luz e cor…
Recolhe do chão os restos do abandono e sai em busca de um rasto de sol que ao longe se adivinha.

Quando entra nos viveiros sente-se abraçada pela Terra Mãe e inspira profundamente a força que dela emana. Passeia-se pelas veredas cumprimentando a Dracaena… o Ficus. Afaga o Anthurium e a Spathiphyllum tentando descobrir aquelas que serão a companhia ideal para as plantas do seu terraço. Vê as roseiras, os gerânios… Não, não são estas as eleitas. Procura por entre os crisântemos, afasta os cíclames, olha as azáleas, as magnólias… Não, nenhuma dessas é a indicada.

Entra no mundo da ficção e maravilha-se com a variedade e perfeição das flores artificiais mas nem aí ela encontra o que procura. A funcionária, eficiente e atenciosa logo a elucida:

-Não minha senhora, lamentamos. Amores-Perfeitos já não há.

Decepcionada propõe-se abandonar o local mas num último impulso olha para o lado e ali mesmo, juntinho a si está um vaso partido com uma planta solitária de flores lilases. Toca-lhes ao de leve e logo uma fragrância selvagem de pedras e montes se desprende … e por entre os seus dedos se renova a sede de evasão…

Com um leve sorriso, ela abraça o velho vaso e caminha segura na tarde cinzenta de inverno.



Clementina Antunes/Dez 09

sábado, 26 de dezembro de 2009

SOMBRA


foto-clemantunes

SOMBRA



Sei que estás aí
adivinho-te
sombria
tornando mais escuro
o chão que foi pisado.
Recortas-te negra
no frio empedrado
e segues-me
em cada passo
resoluto
na busca
de outras verdades
em iluminados redutos.


Minha sombra…
parte de mim
meu eu
meu ser

eternamente
perseguindo
a luz
que te faz
nascer…




Clementina Antunes/Dez 09

LIÇÕES DE SOLFEJO


na foto - Snoopy

Oh, o que nós fazemos pela família!...
Só ela me faria sair do meu aconchego e afrontar a noite gelada.
Fui ouvi-los em concerto, à filha e ao genro. Ela no clarinete, ele na percussão; acompanhados de mais quarenta jovens, alguns muito jovens. Bonito de se ver.
De regresso, serpenteando pela estrada que atravessa o pinhal ouvindo Júlio Isidro com a sua Ilha dos Tesouros (e que tesouros!...) vou entoando em surdina Et maintenant, que vais je faire?... e pensando seriamente em aconselhar ao Snoopy (o recém chegado ao círculo musical) umas aulas de solfejo.
E se pudesse obrigava a minha nora a acompanhar as lições.
Só para chatear...


Clementina Antunes/09

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

REFLEXÃO


foto-Maria José Amorim

Que Deus não permita que eu perca o romantismo, mesmo sabendo que as rosas não falam...


Que eu não perca o optimismo, mesmo sabendo que o futuro que nos espera pode não ser assim tão alegre...

Que eu não perca a vontade de viver, mesmo sabendo que a vida em muitos momentos é dolorosa...

Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que com as voltas do mundo eles podem ir embora...

Que eu não perca a vontade de ajudar as pessoas, mesmo sabendo que muitas delas são incapazes de ver, reconhecer e retribuir esta ajuda...

Que eu não perca o equilíbrio, mesmo sabendo que inúmeras forças querem que eu caia...

Que eu não perca a vontade de amar, mesmo sabendo que a pessoa que eu mais amo pode não sentir o mesmo sentimento por mim...

Que eu não perca a luz e o brilho no olhar, mesmo sabendo que muitas coisas que eu verei no mundo escurecerão meus olhos...

Que eu não perca o sentimento de justiça, mesmo sabendo que o prejudicado possa ser eu...

Que eu não perca a beleza e a alegria de ver, mesmo sabendo que muitas lágrimas brotarão de meus olhos e escorrerão por minha alma...

Que eu não perca o amor por minha família, mesmo sabendo que ela muitas vezes exigirá de mim esforços incríveis para manter sua harmonia...

Que eu não perca a vontade de doar este enorme amor que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será subestimado e até rejeitado...

Que eu não perca a vontade de ser grande, mesmo sabendo que o mundo às vezes é pequeno...

E acima de tudo, que eu jamais me esqueça que Deus me ama infinitamente...


Xico Xavier

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

ASSIM QUE O ANJO DESCER


foto-clemantunes


Menino só




Assim que o Anjo descer,
Hei-de sentar-me na estrada
Ao pé da hora marcada
Para o menino nascer.
E quando venha - sem mais
Porque o não quero também
Maculado -
Hei-de fitá-Lo e sorrir
Pensando no que podia
Mas não lhe quero ensinar:
Nem a ler,
Nem a contar,
Nem que requinte a mentir.




Reinaldo Ferreira

NATAL À BEIRA - RIO



foto-clemantunes


NATAL À BEIRA-RIO





É o braço do abeto a bater na vidraça?
É o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...


Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.


Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?






David Mourão-Ferreira

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

DIA DE NATAL



foto -clemantunes

 

DIA DE NATAL


 Hoje é dia de Natal
Mas o Menino Jesus
Nem sequer tem uma cama,
Dorme na palha onde o pus.


Recebi cinco binquedos
Mais um casaco comprido.
Pobre Menino Jesus,
Faz anos e está despido.


Comi bacalhau e bolos,
Peru, pinhões e pudim.
Só ele não comeu nada
Do que me deram a mim.


Os reis de longe lhe trazem
Tesouro, incenso e mirra.
Se me dessem tais presentes,
Eu cá fazia uma birra.


Às escondidas de todos
Vou pegar-lhe pela mão
E sentá-lo no meu colo
Para ver televisão.


Luísa Ducla Soares





NATAL



foto - clemantunes


Natal


Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absorve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre da Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.





Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.


Reinaldo Ferreira

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

NATAL


foto - clemantunes
Stabat Mater




Tu, mãe de Deus,
Nesta hora e sempre
Mãe d'Ele e nossa mãe,
Pare-o com dor humana
E renovada
E consagrada,
A Ele, que nós buscamos
Com outros e afinal equivalentes credos,
A quem chamamos nos desolados medos,
Talvez com outro nome
Porque é diversa a língua
E não a fome
Que lhe temos.




Reinaldo Ferreira

domingo, 20 de dezembro de 2009

NATAL


Leiria/09
foto-clemantunes


DIA DE NATAL





Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.

E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela, se multiplica em gestos esfuziante,
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam,
sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.

De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha em pijama.
Ah!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.



António Gedeão

VES COMO TE GUSTA LA ÓPERA?


na foto-"Mercado"
Óleo sobre tela/Clementina Antunes


Un día cualquiera de mercado la música empieza a sonar.

Fragmentos de la Traviata de Verdi interpretados en pleno Mercado Central de Valencia, entre los puestos de frutas y verduras.
Los rostros de los compradores, asombrados ante la magia del arte, hacen que recuperemos la confianza en el buen gusto.
El gusto por la buena fruta, la verdura, el champán, la música y la vida.
Pincha el enlace y sube el volumen de los altavoces. Es digno de ver.

http://www.youtube.com/atenordelaopera

domingo, 6 de dezembro de 2009

O MESTRE






AMBIGUIDADE E ACÇÃO


A Mentira é a recriação de uma Verdade. O mentidor cria ou recria. Ou recreia. A fronteira entre estas duas palavras é ténue e delicada. Mas as fronteiras entre as palavras são todas ténues, delicadas.
Entre a recriação e o recreio assenta todo o jogo. O que não quer dizer que o jogo resulta sempre. Resulte seja o que for ou do que for.
A Ambiguidade é a Arte do Suspenso. Tudo o que está suspenso suspende ou equilibra. Ou instabiliza. Mas tudo é instável ou está suspenso.
Pelo menos ainda.
Ainda é uma questão de tempo. Tudo depende da noção de tempo ou duração ou extensão. A aceleração do tempo pode traduzir-se pela imobilidade pois que a imobilidade pode traduzir-se por um máximo de aceleração ou um mínimo de extensão: aceleração tão grande que já não se veja o movimento ou o espaço ou a duração.
Tudo está sempre a destruir tudo. Ou qualquer coisa. Ou alguém. Mas estamos sempre a destruir tudo ou qualquer coisa. Ou alguém.
Os construtores demolem. No lugar onde estava o sopro, pomos pedras ou palavras: sinónimo de construção. Ou destruição. Ou acção.


Ana Hatherly, in 'O Mestre'

sábado, 5 de dezembro de 2009

VERMELHO VERMELHO




Na minha janela, vermelho vermelho,  já é Natal!!!


ESTILHAÇOS




Com um pequeno golpe de alicate nos fios condutores Ele emudeceu-o.




E o telefone morreu.



Sufocada a revolta, Ela pega na bolsa, segura as chaves e sai acelerando o velho Mini que assobia vertiginosamente nas curvas que o conduzem à cidade. O professor aguarda-a. Nessa tarde o solfejo sai rouco, descoordenado mas mesmo assim ilumina-lhe as profundas e escuras veredas.



De regresso, em casa, Ela apanha silenciosamente os cacos da bela terrina de louça de flores azuis que jazem despedaçadas no chão da cozinha.



E pedaço a pedaço, lágrima a lágrima, lança ao lixo os estilhaços do amor.



Clementina Antunes/09

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

IRIS





vermelho  alaranjado  amarelo  verde  azul  anilado  violeta
vermelho  alaranjado  amarelo  verde  azul  anilado  violeta


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

NÃO ACREDITO MAS QUE AS HÁ, HÁ!



Licenciou-se em Psicologia com alta classificação e hoje, para além de proprietária duma creche que dirige, dedica-se à música e acompanha ao órgão o Coro Paroquial na missa de domingo.

Já há muito que passou dos trinta mas continua com a candura dos seus tenros anos de escola. De voz meiga, tímida e ingénua, os seus olhitos redondos agitavam-se cheios de medos, incertezas, interrogações.

- Que tens hoje, menina, que pareces tão cansada?


- Foi um sonho mau, senhora professora.


- Com monstros?


- Não, com o inferno, a minha avó velha disse que se eu fosse má ia para o inferno arder numa grande fogueira.


- O inferno é uma história de monstros.


- Mas ela disse que era verdade, senhora professora, ela disse que era verdade!


- A tua avó está muito velhinha, por vezes pode enganar-se, não acreditas em mim?


- Acredito, senhora professora, tu até tens um dedo que adivinha…


- É verdade, e ele agora está a dizer-me que o teu pai vem amanhã falar comigo.


- Sério?!


– Sim, hás-de perguntar à tua mãe, mas agora acaba o teu desenho que está a ficar muito lindo.

Da secretária observava-os, aos vinte e dois que me tinham acompanhado nos últimos quatro anos. Tantas letras, números, palavras rasuradas, risos e raivas, desânimos e esperanças desalinhados. Tentativas de reconstrução dia a dia renovadas.

Ela continuava tímida, desajeitada nos modos mas lia e escrevia como nenhum. O seu vocabulário era rico tanto na prosa como nos tímidos poemas. Sensível mas exigente, perfeccionista e talvez por isso muito insegura:

- Desculpe incomodar, senhora professora, eu sei que sou uma chata mas preciso de tirar uma dúvida…

Em dia de aniversário presentearam-me com um enorme embrulho que abri emocionada. Um grande caixote de cartão que, apesar de leve, continha imensas caixinhas todas elas com fitinhas coloridas. As mentoras da ideia estavam excitadíssimas:

- Vá, professora, tem de encontrar a sua prenda.


– É só uma? Pensei que cada caixa continha um presente.


– Vá desembrulhando que há-de encontrar uma.


– Humm… então… deixem-me concentrar… só um segundo… vou abrir… esta!!


– Oh!!... Não!!... Assim não tem graça nenhuma. Acertou logo na primeira!

E logo aquela vozinha doce e ingénua:

- A professora sempre nos disse que tinha um dedo que adivinhava. É bem verdade!...

Hoje, olho demoradamente a mão que o possui, o tal dedo. Talvez na palma as linhas digam algo que não sei mas o dedo só mostra uma pele mais velha e enrugada. Nenhum sinal de adivinhação.


Clementina Antunes/09

sábado, 28 de novembro de 2009

PADRES...


Na foto-Monsenhor Nunes Pereira no seu atelier




Tarde chuvosa de domingo outonal. Chegados junto à igreja, vestidos de preto/branco/vermelho, abrimos os guarda chuvas mas mesmo assim não conseguimos proteger por completo os instrumentos musicais que retirámos do autocarro. Atravessado o adro e já no salão paroquial preparámo-nos para intervir nas comemorações do aniversário do Centro Social.

Quando aceitámos o convite pensámos que seria uma actuação para idosos e familiares igual a tantas outras mas logo fomos surpreendidos pela grande jovialidade do padre que nos recebeu e que viria a revelar-se a alma daquela comunidade. De humor sadio e fácil comunicação, contagiou todos nós com a sua alegria e amor à obra que tem vindo a desenvolver. O seu entusiasmo estendeu-se ao palco e o seu sorriso alastrou pela sala. Ele cantou, bateu palmas, dançou e pediu bis. A música tradicional que interpretámos teve outro sabor.

Não consegui deixar de o comparar ao padre da minha aldeia quando, ainda eu era criança, ameaçava o povo do alto do púlpito com o inferno e os comunistas. Dali, em sexta feira santa, ele começava invariavelmente o sermão com: Ó vós que passais, olhai e vede se há dor igual à minha dor! Para mim esta frase estará sempre ligada ao padre da minha aldeia que acabou por ser expulso pelo povo e colocado pelo bispo em terras de comunistas ferrenhos. Lições que a vida ensina...

Não faltaram os habituais discursos de ocasião pelos habituais presidentes (do Centro Social, da Freguesia, da Câmara Municipal) seguidos de um lauto lanche. E aí o grupo foi novamente surpreendido pelo Sr.Prior. Depois de uma pequena ausência ele regressa com uma chaleira fumegante. Serve-nos delicadamente e insiste para que bebamos do seu chá que ele próprio confeccionou com receita que não divulga.

Quando sorvi o primeiro gole recordei aquele outro padre, numa outra noite já distante em terras castelhanas, oferecendo cálices de licor aos fatigados orfeonistas antes do último concerto da sua primeira digressão europeia. Ninguém do público que nos foi ouvir naquela lindíssima igreja notou o nosso cansaço...

Bem comidos, bem bebidos, é já tarde. Precisamos voltar mas não recusamos o convite para uma visita à residência paroquial, ali mesmo ao lado. Ao entrar as palavras ficam mudas durante alguns segundos para logo se soltarem em exclamações entusiastas perante a arte que se nos depara: centenas de representações de Santo António e presépios dispostos em vitrinas, móveis, paredes ou qualquer recanto, bem iluminados. Admirámos também os óleos, as aguarelas, os mistérios que ele próprio construiu, as esculturas...

Interrompendo o meu enlevo uma voz se destaca: Sr. Prior, posso ir à casa de banho? e logo outra se interroga: também haverá lá algum santo António? ao que o padre logo responde: lá dentro não, mas na porta por fora tenho duas gravuras de Nunes Pereira.Nunes Pereira?! Monsenhor Nunes Pereira? Na porta da casa de banho?!!! pergunto eu estupefacta. E logo ele: na porta, nos corredores e em muitas paredes. Olhe ali na sala.

E ao contemplar o grande número de gravuras eu voltei atrás uns quantos anos quando de autocarro um grupo de artistas plásticos se deslocou a Madrid para uma visita à ARCO. E sorri ao lembrar com ternura aquela voz meiga numa figura de homem pequeno; as suas anedotas malandras e o seu riso contido; a sua destreza no traço retratando os meus caracóis...

E o padre conta: com dificuldades de tesouraria Nunes Pereira, há muitos anos pároco duma outra freguesia, pagara ao jovem António, ainda indeciso quanto à sua vocação, pequenos trabalhos de carpintaria realizados na sua igreja com dezenas de gravuras de sua autoria que agora eu estava admirando.

Não fora o adiantado da hora e teríamos ficado de bom grado mais um pouco.Mas um dia hei-de voltar. Talvez ele me ofereça do seu santificado chá e me convide a subir ao primeiro andar da casa paroquial. Quem sabe até me abra a porta do seu quarto. É que estou com um desejo danado de descobrir as obras de arte que ele guarda na sua alcova...

Clementina Antunes/09

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

HÁ DIAS... E DIAS



Alguns são cinzentos, nublados, tristes, gelados.
É tudo negro, são lixados!
Mas outros há que são lindos, lindos... fantásticos!!
Apetece até quebrar o relógio e fazer o tempo parar...
Dias como o de hoje.
Até a chuva parece cantar.


Clementina Antunes/09


terça-feira, 24 de novembro de 2009

domingo, 22 de novembro de 2009

MÚSICA FORA DE CASA


BANDA SINFÓNICA PORTUGUESA
SALA SUGGIA
12:00
José Rafael Pascual Vilaplana - direcção musical
Vicente Alberola - clarinete


DIRK BROSSÉ

And the winner is...
War concerto, para clarinete e banda sinfónica

ALDO RAFAEL FORTE

Van Gogh Portraits
1. The Potato Eaters
2. La Berceuse
3. The Zouave
4. The Drawbridge
5. Finale: Self Portrait of the Artist

Dali
1. The Unicorn
2. Don Quijote
3. Elephant Spatial
4. The Persistence of Memory
5. Dante's Inferno - Dali Ghastly Images


Os dois compositores que a Banda Sinfónica Portuguesa hoje apresenta inspiraram-se em duas das mais extremas manifestações da humanidade para a criação das suas obras: a guerra e a própria arte.[...]


Salvador Dali - batalha de Tetuán


O fascínio de Aldo Rafael Forte pela pintura tem dado origem a várias obras musicais, entre as quais as que hoje são interpretadas. Em ambas o compositor faz uma viagem pelo universo de um artista, transpondo para a partitura os traços e cores que mais o impressionam. Mas mais do que isso, Forte cria uma relação entre os vários andamentos, uma identidade do artista que povoa todos os momentos da peça, evitando a simples tradução das pinturas que escolhe. É assim em Van Gogh Portraits, onde um motivo representa o próprio Vincent Van Gogh e é alvo de diferentes interpretações e transformações ao longo da obra - este motivo surge logo no início do primeiro andamento, apresentado pelo eufónio. Este andamento é inspirado numa pintura de 1885, ainda no período inicial de actividade do artista, em que é representada uma família de camponeses comendo batatas.


A pobreza da cena e as cores sombrias da pintura são transpostas para os instrumentos em sonoridades igualmente obscuras e trágicas.


Já o segundo andamento tem um carácter leve, baseado nos quadros de Madame Roulin, uma figura maternal inspiradora.


O terceiro andamento é curto e abre espaço para a secção de percussão, representando os ritmos militares dos Zuavos, soldados do Norte de África ao serviço da França e que fascinavam o pintor com os seus uniformes exóticos de cores flamejantes.
The Drawbridge, ou "Ponte Levadiça", é uma interpretação do ambiente bucólico junto à Ponte de Langlois
em Arles, que Van Gohg pintou em 1888.





Finalmente, a obra encerra com a referência ao último auto-retrato do artista, realizado a apenas alguns meses do seu suicídio em 1890, enquanto estava internado num asilo psiquiátrico.
A música reflecte a instabilidade de estados de espírito do pintor, entre a fúria, a confusão e o júbilo e um estado catatónico e hipnótico.

Fernando Pires de Lima