sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

ANTÓNIO CARDOSO PINTO

o poeta é um vadio do pensamento


sonha palavras que lhe sorriem

e se escondem na curva do tempo

ele pode agarrar um pássaro

e desenhar-lhe um voo perfeito

afastando nuvens e ventos

aproximando rios e árvores


pode entrar no jogo sorrindo com as palavras

escrever menino

e correr

enganando o tempo nas asas duma borboleta


pode ainda o poeta

num extremo de sensibilidade

verter uma lágrima ao construir palavras

que reflectem o mundo da dor que também

habita o coração dessas mesmas palavras

escondidas na curva do tempo 




António Cardoso Pinto (foto-joão veríssimo)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

VERSOS...






Tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e
com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor....

na verdade, estou derrubado
sobre a mesa em fórmica suja duma taberna verde,
não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, à beira mar...

dizem que ao possuir tudo isto 
poderia ter sido um homem feliz, que tem por defeito
interrogar-se acerca da melancolia das mãos....
...esta memória lâmina incansável

um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
....que sei eu sobre as tempestades do sangue?
E da água?
no fundo, só amo o lodo escondido das ilhas...

amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão


Al Berto, in "Degredo no Sul" assírio & alvim, 2007