foto-clemantunes
O silêncio da manhã é simultaneamente inquieto e reconfortante.
Quando acorda assim, parada olhando as sombras paradas, sabe que o dia vai ser fértil. Seja do que for, do que tiver que ser, do que se permitir viver, do que quiser construir, do que aceitar refazer…
Longínquo, o som de cães se cumprimentando mistura-se com o toc toc abafado dos saltos altos da vizinha do segundo andar.
Veste um agasalho, enfrenta o ar gélido da manhã e partilha a melancolia com as plantas do seu terraço. Fala-lhes de chuvas e de sol, de ventos e nuvens passageiras; afaga-lhes os troncos, retira-lhes os podres, corta-lhes os excessos e acarinha a terra renovada trauteando…
“Afagar a terra … conhecer os desejos da terra… Cio da terra, propícia estação… e fecundar o chão...”
Está tão vazia a sua varanda, tão nuas e tristes as suas floreiras… Precisa alegrá-las com pontos de luz e cor…
Recolhe do chão os restos do abandono e sai em busca de um rasto de sol que ao longe se adivinha.
Quando entra nos viveiros sente-se abraçada pela Terra Mãe e inspira profundamente a força que dela emana. Passeia-se pelas veredas cumprimentando a Dracaena… o Ficus. Afaga o Anthurium e a Spathiphyllum tentando descobrir aquelas que serão a companhia ideal para as plantas do seu terraço. Vê as roseiras, os gerânios… Não, não são estas as eleitas. Procura por entre os crisântemos, afasta os cíclames, olha as azáleas, as magnólias… Não, nenhuma dessas é a indicada.
Entra no mundo da ficção e maravilha-se com a variedade e perfeição das flores artificiais mas nem aí ela encontra o que procura. A funcionária, eficiente e atenciosa logo a elucida:
-Não minha senhora, lamentamos. Amores-Perfeitos já não há.
Decepcionada propõe-se abandonar o local mas num último impulso olha para o lado e ali mesmo, juntinho a si está um vaso partido com uma planta solitária de flores lilases. Toca-lhes ao de leve e logo uma fragrância selvagem de pedras e montes se desprende … e por entre os seus dedos se renova a sede de evasão…
Com um leve sorriso, ela abraça o velho vaso e caminha segura na tarde cinzenta de inverno.
Clementina Antunes/Dez 09
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