quarta-feira, 23 de junho de 2010

O ESCRITOR MORREU


O tempo é de Primavera, cobre-se o campo de brancos malmequeres, rasteirinhos, se para atalhar caminho cortam os viajantes pelo meio deles, rufam as duras cabeças das flores nos pés descalços de Baltazar e Blimunda, têm um e outro sapatos ou botas, mas vão guardados no alforge para quando o caminho for de pedras, e do chão sobe um cheiro acre, é a seiva do malmequer, perfume do mundo no primeiro dia, antes de Deus ter inventado a rosa. Está um lindo tempo para ir ver uma máquina de voar, passam no céu grandes nuvens brancas, que bom seria levantar-se a passarola uma vez mais que fosse, subir pelos ares fora, rodear aqueles castelos suspensos, ousar o que aves não ousam, entrar por eles gloriosamente, tremer de medo e de frio, e depois sair para o azul e para o sol, ver a terra formosa e dizer, Terra, que bela é Blimunda.


José Saramago in Memorial do Convento
(1922-2010)

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