quarta-feira, 24 de novembro de 2010

CARLOS EUGÉNIO

foto - Bruno Abreu (Olhares)

Ante-manhã de Novembro


Ante-manhã, ó minha ante-manhã,
Corpo igual à mágoa em que nasci,
Montes, céu, jardim e rio,
Luz seráfica perolada e doce
A cobrir história do que vivi.

Azulados arvoredos dormindo sombra,
Folhas esmaltando o chão do caminho,
Frio, escuro e passos que vão,
Metais parados, olivina humidade,
Aves despertas que findam seus sonhos
E vagas ciciam comigo sem ninho.

O outono aparece em roxo ridente,
Não sinto, não vejo - ninguém amanhece.
O galo que canta, o bronze que chama,
Os gritos ao longe nos lodos das lamas,
Tudo isso é meu, é meu dos meus anos
- Cortejo que passa num pálio de prece.

Porém o que espero começa a aparecer
- Ó vão propósito - ó mundos meus! -
Outra que fora fragrância e causa,
Madrugada amada, murmúrio aparente,
Em rosa de seda apenas me chega,
No ar da manhã na cor do adeus.

Carlos Eugénio (Leiria, 27 Nov 1910 - Leiria, 22 Set 1981)
in Rosa na Música

1 comentário:

  1. Bonita homenagem! É bom ter amigos que vão lembrando os que já partiram. Eles viverão através da nossa memória. E a foto é um espanto !
    Um abraço.

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