domingo, 4 de abril de 2010

ALELUIA!! ALELUIA!!

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Muito mais que o Natal, Carnaval ou Santos Populares a Páscoa era a época que mais intensamente se vivia na minha aldeia. Nas semanas que antecediam o Domingo de Páscoa, obedecendo aos rigorosos preceitos religiosos, cumpríamos o jejum e abstinência. Era tempo de sacrifícios por isso éramos privados do que mais nos animava: a música. O rádio era desligado e se começávamos a entoar uma canção das muitas que nos bailavam nos lábios logo minha mãe nos silenciava: Calados! Estamos na Quaresma!
Claro que nós sabíamos que em casa sem que os vizinhos nos escutassem poderíamos temperar um pouco a azáfama da revolução caseira. Sim, porque nesta altura lá em casa tudo era mexido. Os móveis e colchões eram desventrados dos seus conteúdos, as camas desmanchadas, as roupas postas ao sol. Na eira preparavam-se novas “camisas de milho” para camas mais fofas, areavam-se louças e ornamentos.
Em grandes alguidares lavavam-se pratos, vidros… louça que só via nessa ocasião… E eu ficava a olhar maravilhada aquele menino de chapéu azul com uma cana de pesca na mão que ornamentava o meu copo preferido ou as chávenas de fina porcelana que deixavam passar a luz; a terrina de grandes flores cor de laranja, a pequena chávena solitária com papoilas e espigas de trigo no desenho… Que lindo que tudo era!...
E depois de limpos os tectos, pintadas as paredes, tratadas as madeiras e encerado o chão, era hora de voltar tudo ao seu lugar. E até o avô João lá do alto do seu retrato esboçava um meio sorriso pela obra feita. Era um consolo saborear o cheiro a lavado e ver a melhor colcha de seda adornando a melhor cama, aquela em que ninguém dormia exceptuando a avó quando vinha passar um mês connosco ou a mãe quanto estava de “resmento”.
A casa pronta, era chegada a vez do jardim e acessos: roçar as ervas, limpar as plantas e árvores de folhas secas, colocar longe da vista qualquer pedaço de madeira que destoasse no local. As flores brancas que sempre nesta altura apareciam em todo o seu esplendor sobressaíam no verde; as laranjeiras ainda guardavam alguns frutos e a grande glicínia florida que trepava pelo poste de electricidade emanava um suave perfume.
Sexta-feira era dia santo e na igreja as cerimónias começavam às três da tarde. O senhor Prior fazia o seu interminável sermão começando invariavelmente com palavras carregadas de simbolismo lembrando a dor Maior da mãe que perde seu filho: Ó vós homens que passais! Olhai e vede se há dor igual à minha dor…
Para além das palavras iniciais que se repetiam ano após ano, desses sermões só recordo a dor de estar horas de pé pensando insistentemente no momento em que depois da procissão do enterro eu voltaria para casa que brilhava de lavada e sonhava com o dia de Páscoa e o vestido novo a estrear, e no folar que os padrinhos me dariam, e nas amêndoas que o padre deixaria cair por entre os nossos dedos (que apesar de pequeninas eram muito gostosas) quando viesse com o crucifixo para nós beijarmos dizendo: Aleluia! Aleluia!!
Ah, mas no sábado ainda havia uma tarefa muito importante a fazer: ir ao pinhal apanhar abórtegas. Não sei qual o nome correcto mas era assim que chamávamos aos rebentos verdes que brotavam por entre os pinheiros no terreno limpo de mato. Enchíamos vários sacos contando histórias assustadoras de lacraus e outros monstros verdadeiros e regressávamos satisfeitos para casa onde nos aguardava a mãe que tinha ido ao olival cortar algum feno. Juntando uns raminhos de alecrim, espalhava tudo em frente à casa e acessos formando um fofo tapete verde de que ainda sinto o cheiro e a textura.
E no domingo depois da missa pascal quando acompanhado pelo sacristão e outros acólitos de capa vermelha o padre surgia espalhando água benta pela casa (Aleluia! Aleluia! ) nós esperávamos alinhados ao lado do pai e da mãe e não ousávamos olhar os pequenos confeitos que nos escorregavam dos dedos e saltitavam no chão encerado. É que tínhamos bem presentes as palavras da nossa mãe: Não se atrevam a apanhar a mais pequenina amêndoa do chão!! Um dia o Sr. Prior vai aprender a tratar-vos como pessoas e não como galinhas.
Demorou alguns anos mas aprendeu…
ALELUIA! ALELUIA!


Clementina Antunes
Domingo de Páscoa, 4 de Abril de 2010



1 comentário:

  1. OLÁ, AMIGA!

    Adorei ler esta tua pubicação sobre a preparação do Domingo de Páscoa na tua terra natal!

    Embora eu tivesse sido criada na cidade, também em minha casa, nessa época do ano se faziam as limpezas grandes para recebermos o SR. Padre no Domingo de Páscoa.
    Ainda me lembro também,que, nesse dia, estreava sempre uma roupinha nova!!!

    Outros tempos... outras épocas.

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