sexta-feira, 23 de abril de 2010

PONTOS DE VISTA...




O QUE SEMPRE SOUBE DAS MULHERES, MAS TIVE À MESMA DE PERGUNTAR

Tratam-nos mal, mas querem que as tratemos bem. Apaixonam-se por serial-killers e depois queixam-se de que nem um postalinho. Escrevem que se desunham. Fingem acreditar nas nossas mentiras desde que tenhamos graça a pregá-las. Aceitam-nos e toleram-nos porque se acham superiores. São superiores. Não têm o gene da violência, embora seja melhor não as provocarmos. Perdoam facilmente, mas nunca esquecem. Bebem cicuta ao pequeno - almoço e destilam mel ao jantar. Têm uma capacidade de entrega que até dói. São óptimas mães até que os filhos façam dez anos, depois perdem o norte. Pelam-se por jogos eróticos, mas com o sexo já depende. Têm dias. Têm noites. Conseguem ser calculistas e maldosas como qualquer homem, só que com muito mais nível. Inventaram o telemóvel ao volante. São corajosas e quando se lhes mete uma coisa na cabeça levam tudo à frente. Fazem-se de parvas porque o seguro morreu de velho e estão muito escaldadas. Fazem-se de inocentes e (milagre!) por esse acto de vontade tornam-se mesmo inocentes. Nunca perdem a capacidade de se deslumbrarem. Riem quando estão tristes, choram quando estão felizes. Não compreendem nada. Compreendem tudo. Sabem que o corpo é passageiro. Sabem que na viagem há que tratar bem o passageiro e que o amor é um bom fio condutor. Não são de confiança, mas até a mais infiel das mulheres é mais leal que o mais fiel dos homens. São tramadas. Comem-nos as papas na cabeça, mas depois levam-nos a colher à boca. A única coisa em nós que é para elas um mistério é a jantarada de amigos - elas quando jogam é para ganhar. E é tudo. Ah, não. Há ainda mais uma coisa, acreditam no Amor com A grande mas, para nossa sorte, contentam-se com pouco.

RUI ZINK

terça-feira, 20 de abril de 2010

A VIDA

foto-Bruno Abreu




A VIDA

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;

A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave:

Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida - pena caída
Da asa da ave ferida
De vale em vale impelida
A vida o vento levou!



João de Deus

sexta-feira, 16 de abril de 2010

RENASCER

foto - clemantunes



O sol brilhou cheio e animador e por uns dias foi Primavera. Na luz, na temperatura do ar e nos rostos dos humanos que se abriram à mudança. A vida fervilhou com um novo vigor.
Ela despiu o leve casaco, enfiou nos pés descalços os velhos chinelos amarelos e saiu para o terraço sentindo o sol acariciar os seus ombros nus. No bolso do avental tem os utensílios de que precisa mas antes de iniciar a tarefa que se propôs dá uns passos descansados inteirando-se do que é prioritário fazer.
A glicínia deixou cair quase todas as pétalas lilases das suas flores que as abelhas beijaram e exibe agora um aglomerado de brilhantes folhas verdes luminosas que fazem sombra na janela da cozinha. Embora um pouco mais atrasadas, nas buganvílias crescem já novos rebentos mas as sardinheiras, de velhas, morreram nos vasos onde agora se vê uma grande variedade de pequenas ervas.
O vermelho das flores da planta do Natal está mais baço contrastando com o brilho da verde salsa que engrossou o caule e se prepara para mostrar as suas brancas flores. Lá no canto, a velha orquídea maltratada que se recusou a florir e de raiva rebentou com o pequeno vaso (incapaz de conter as suas fortes raízes), exige a sua atenção. E nas demais floreiras as plantas reclamam pelo abandono.
Sem pressas, ela começa o trabalho e durante três dias (tantos quanto dura a Primavera do seu terraço) embrenha-se profundamente no refazer da vida. Revolve a terra libertando-a de impurezas, substitui vasos e plantas danificados, transplanta, semeia, fertiliza…
E quando, saboreando os últimos raios de sol ao fim da tarde, ela olha a obra concluída, pensa como é fantástico observar a forma como a vida se renova. Há dez anos atrás só os pombos deixavam a sua marca no chão de tijoleira com cheiro a novo mas outros habitantes vieram para ficar e renovar-se continuamente.
Com maior ou menor entusiasmo e êxito, para além das plantas ornamentais ela já plantou e colheu nabiça, pepinos, tomates, feijão verde, couves, framboesas…
Utiliza na cozinha os coentros, a hortelã e a salsa que profusamente crescem nos vasos e em cada ano que passa substitui algumas plantas introduzindo uma ou outra novidade. Desta vez foi a alfazema e o alecrim, que vieram encher de perfume selvagem o recanto dos temperos, e o pequeno pessegueiro que, nascido de um qualquer caroço jogado na terra, espera ver produzir alguns frutos.
Mas o que mais a está a entusiasmar é a grande quantidade de flores e pequenos frutos que se estão a desenvolver nas oito pequenas plantas de folhas recortadas que transplantou com imenso carinho.
E acredita que, para além dela, este ano todos os habitantes do seu terraço (os pardais, as rolas, as borboletas, os gafanhotos, as lesmas, os caracóis, as joaninhas, as lagartas, as aranhas, as formigas, as abelhas e todos quantos queiram vir) podem admirar e provar os morangos que crescem rosados nas floreiras viradas ao sol de Leiria.

Clementina Antunes/10

domingo, 11 de abril de 2010

SE...

foto-clemantunes


E se o mar

que te levou

fosse o mar

que te trouxesse...

eu navegaria

leve

na esteira

do teu abraço...

Clementina Antunes/10

domingo, 4 de abril de 2010

ALELUIA!! ALELUIA!!

foto-clemantunes



Muito mais que o Natal, Carnaval ou Santos Populares a Páscoa era a época que mais intensamente se vivia na minha aldeia. Nas semanas que antecediam o Domingo de Páscoa, obedecendo aos rigorosos preceitos religiosos, cumpríamos o jejum e abstinência. Era tempo de sacrifícios por isso éramos privados do que mais nos animava: a música. O rádio era desligado e se começávamos a entoar uma canção das muitas que nos bailavam nos lábios logo minha mãe nos silenciava: Calados! Estamos na Quaresma!
Claro que nós sabíamos que em casa sem que os vizinhos nos escutassem poderíamos temperar um pouco a azáfama da revolução caseira. Sim, porque nesta altura lá em casa tudo era mexido. Os móveis e colchões eram desventrados dos seus conteúdos, as camas desmanchadas, as roupas postas ao sol. Na eira preparavam-se novas “camisas de milho” para camas mais fofas, areavam-se louças e ornamentos.
Em grandes alguidares lavavam-se pratos, vidros… louça que só via nessa ocasião… E eu ficava a olhar maravilhada aquele menino de chapéu azul com uma cana de pesca na mão que ornamentava o meu copo preferido ou as chávenas de fina porcelana que deixavam passar a luz; a terrina de grandes flores cor de laranja, a pequena chávena solitária com papoilas e espigas de trigo no desenho… Que lindo que tudo era!...
E depois de limpos os tectos, pintadas as paredes, tratadas as madeiras e encerado o chão, era hora de voltar tudo ao seu lugar. E até o avô João lá do alto do seu retrato esboçava um meio sorriso pela obra feita. Era um consolo saborear o cheiro a lavado e ver a melhor colcha de seda adornando a melhor cama, aquela em que ninguém dormia exceptuando a avó quando vinha passar um mês connosco ou a mãe quanto estava de “resmento”.
A casa pronta, era chegada a vez do jardim e acessos: roçar as ervas, limpar as plantas e árvores de folhas secas, colocar longe da vista qualquer pedaço de madeira que destoasse no local. As flores brancas que sempre nesta altura apareciam em todo o seu esplendor sobressaíam no verde; as laranjeiras ainda guardavam alguns frutos e a grande glicínia florida que trepava pelo poste de electricidade emanava um suave perfume.
Sexta-feira era dia santo e na igreja as cerimónias começavam às três da tarde. O senhor Prior fazia o seu interminável sermão começando invariavelmente com palavras carregadas de simbolismo lembrando a dor Maior da mãe que perde seu filho: Ó vós homens que passais! Olhai e vede se há dor igual à minha dor…
Para além das palavras iniciais que se repetiam ano após ano, desses sermões só recordo a dor de estar horas de pé pensando insistentemente no momento em que depois da procissão do enterro eu voltaria para casa que brilhava de lavada e sonhava com o dia de Páscoa e o vestido novo a estrear, e no folar que os padrinhos me dariam, e nas amêndoas que o padre deixaria cair por entre os nossos dedos (que apesar de pequeninas eram muito gostosas) quando viesse com o crucifixo para nós beijarmos dizendo: Aleluia! Aleluia!!
Ah, mas no sábado ainda havia uma tarefa muito importante a fazer: ir ao pinhal apanhar abórtegas. Não sei qual o nome correcto mas era assim que chamávamos aos rebentos verdes que brotavam por entre os pinheiros no terreno limpo de mato. Enchíamos vários sacos contando histórias assustadoras de lacraus e outros monstros verdadeiros e regressávamos satisfeitos para casa onde nos aguardava a mãe que tinha ido ao olival cortar algum feno. Juntando uns raminhos de alecrim, espalhava tudo em frente à casa e acessos formando um fofo tapete verde de que ainda sinto o cheiro e a textura.
E no domingo depois da missa pascal quando acompanhado pelo sacristão e outros acólitos de capa vermelha o padre surgia espalhando água benta pela casa (Aleluia! Aleluia! ) nós esperávamos alinhados ao lado do pai e da mãe e não ousávamos olhar os pequenos confeitos que nos escorregavam dos dedos e saltitavam no chão encerado. É que tínhamos bem presentes as palavras da nossa mãe: Não se atrevam a apanhar a mais pequenina amêndoa do chão!! Um dia o Sr. Prior vai aprender a tratar-vos como pessoas e não como galinhas.
Demorou alguns anos mas aprendeu…
ALELUIA! ALELUIA!


Clementina Antunes
Domingo de Páscoa, 4 de Abril de 2010